terça-feira, 24 de junho de 2008

Descendentes dos quilombos em busca de um lugar ao sol

* Assessoria do NIPEC
São mais de 300 famílias de afro-descendentes espalhadas pelo grande estuário tendo como fundo os alagados do Baixo Imbé, situado na região oeste de Campos dos Goytacazes. Mais de 117 anos depois da abolição da escravatura, esta negritude ainda clama por justiça social e, naturalmente, formas plausíveis de ocupação da terra, onde possam, com dignidade, lutar pelo pão de cada dia.
O Núcleo de Iniciação à Pesquisa Científica em Comunicação, da Fafic, órgão coordenado pelo professor Orávio de Campos, mestre em Comunicação e Cultura (UFRJ), realizou, esta semana, uma expedição de estudos na área, levando cinco alunos pesquisadores e a equipe técnica da UniTv, podendo constatar, in loco, a situação e as guerras empreendidas pela atual geração de quilombolas.
Mapeamento – Os alunos mapearam áreas em Conceição do Imbé, Aleluia, Cambucá e Batatal, sendo que as três primeiras comunidades estão inseridas no relatório da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Antes tinham enfatizado a existência de quilombolas em Deserto Feliz e Barrinha, em São Francisco de Itabapoana, Karucango, em Conceição de Macabu; e Carumbi, no Alto Imbé.
Para o coordenador das pesquisas, a inserção dessas comunidades no contexto da Igualdade Racial, organismo da Presidência da República, deve-se ao trabalho do presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos, Paulo Honorato. “Agora é necessária a ação da Prefeitura, através da Fundação Zumbi dos Palmares, para que os descendentes recebam os benefícios da lei 10.678, de 23 de maio de 2003”.
Segundo ele, a política de igualdade racial procura corrigir distorções resultantes do racismo e da discriminação raciais. “Neste sentido, os assentados ficam com direito assegurado à posse das terras onde sempre viveram, saindo do jugo imposto pelo INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – que ainda teima em lhes cobrar parcelas das negociações dos lotes oriundos da falência da Novo Horizonte”.
Nas áreas, distantes 36 quilômetros do centro, incluídas no 9º Distrito de Morangaba, o clima é de expectativa, porque muitos vivem abaixo da linha de pobreza, verificação feita nas visitas às casas dos antigos moradores. “Penso que o governo precisa, com urgência, atuar na regularização fundiária das terras ocupadas histórica e culturalmente pelos quilombolas, por se tratar de uma reivindicação secular”, salienta.

Referência viva no olhar dos novos descendentes
“Nossos antepassados viveram nestas terras antes da posse por parte dos ex-proprietários da Usina Novo Horizonte. Hoje, as descendências ainda estão sujeitas ao pagamento de taxas ao governo, através do Incra”, reclamou a presidente da Associação dos Pequenos Produtores de Conceição do Imbé, Maria Lucia Cruz Pessanha.
Ela exerce um mandato executivo no Baixo Imbé. É uma espécie de prefeita encarregada de resolver os problemas comunitários. Apontando o velho casarão em ruínas, com mais de um século nos costados, cujas referências estão perdidas no tempo, ela sugere sua restauração para sediar a associação. “Todos aqui são diretamente filhos desse casarão, em cujas senzalas nossos antepassados sofreram os açoites dos chicotes”.
Em Conceição do Imbé, no jovem Washigton Bernardo da Cruz, 19, as referências estão distantes, mas para o produtor Evaldo Eduardo de Souza, 30, que serviu de cicerone para os pesquisadores na região, estão bem vivas. “Alguns negros conseguiram fugir das senzalas e se estabeleceram aqui fundando nestas terras uma nova civilização”.
- Meu falecido pai, Italino José dos Santos, contava o que ouvira de seu pai, as histórias do povo. Esses morros eram apinhados de café e nas baixadas o gado pastava no período de engorda – lembra Amaro Barroso, 78, para quem, no final do século XIX, não havia estradas e “as pessoas chegavam através das trilhas abertas por tropeiros”.
No casebre de aposentado, um quadro na parede revela sua religiosidade: “Jesus reina neste lar” e o idoso usa um velho palitó de festa como agasalho contra o frio produzido pela chuva fina. Em Aleluia, Arley Nascimento Pereira, 47, enquanto debulha um guandu na cozinha, reclama: “Não suporto mais pagar ao Incra um imposto incidindo sobre minha própria terra. É um absurdo”.
A negra Nilce Helena, 58, ocupa um correr-de-casas construído com o feitio das senzalas das fazendas. Ela fala das tradições da família e lembra de sua mãe Santilia de Jesus Domires. “Mainha, falecida há 5 meses com 82 anos, contava coisas tristes dos tempos da escravidão. Coisas que ela ouvira da vovó”.
Ela trabalha na Escola Municipal Aldeia Fazenda Aleluia, defronte às suas posses. A diretora Ângela Maria de Almeida evitou conversar com os pesquisadores. Mas, depois, cedeu a varanda para um encontro do pessoal do Incra com os pequenos produtores interessados nos créditos facilitados do Pronaf.
Uma digna descendente dos negros do Golfo da Guiné, Nely do Carmo, 70, chamego do branco Irineu Ferraz, 61, não tem mais consciência de sua história. “Isso faz muito tempo, “seu” moço. Depois aponta a Serra de Maria Vicente, nas bandas de Cambucá, onde, segundo ela, tem negro que conhece essas histórias.
Com efeito, lá, junto aos alagados formados pelos rios Macaco e Imbé, principais fontes da Lagoa de Cima, Benedito Ribeiro, 60 anos, mantém uma bolandeira artesanal, na qual fabrica uma farinha de qualidade. Seu sítio é muito bem arrumado e servido por uma água cristalina oriunda das fendas de pedras seculares.
No sopé do morro, vive o ancião Amaro Correia, o “seu” Neco, 90, com dificuldades para ouvir; e sua mulher Evangelina Martins Xavier, 85. Estão casados há mais de 70 anos e já se esqueceram do número de filhos, netos, bisnetos... Por perto a menina Marilza, com seus cabelos penteados como as negras de Cabinda, sorriso no rosto e a inocência brilhando no seu olhar puro de criança.


Tempo de chuva na região da Lagoa de Cima

O tempo era de chuva e se não fosse o asfalto seria impossível transitar por aquelas glebas de canas queimadas maltratando o solo e destruindo ninhos, pássaros e bichos que gostam de rastejar pelas palhas entanguidas. Até o Quero-Quero, sempre anunciador de coisas novas, resolveu abrigar-se do frio marcando o final da estação.
O “Lago dos Sonhos”, no dizer de pranteado Barbosa Guerra, estava emoldurada por uma névoa densa, os barcos de pesca atracados nas prainhas davam um tempo pro descanso dos peões e pelas trilhas de acesso, a partir de Santa Cruz, muitas caveiras jaziam encravadas nas porteiras – símbolos de respeito à fé dos muxuangos.
Mas há canas miúdas prometidas às moendas no avir das novas safras. Dos tabuleiros dava para divisar o estuário das águas serpenteando as várzeas em busca da lagoa. Em Conceição, o povo se mantém coeso e, por isso, o verde da campina é como bandeira quilombola tremulando no tempo mágico da esperança

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